Um novo momento para a Internet das Coisas
Enquanto a humanidade continua a enfrentar uma das mais graves pandemias dos últimos séculos, startups de saúde com soluções de IoT vêm registrando recordes de aportes em diversas partes do mundo. Entre as empresas que atraíram a atenção de investidores, pacientes e organizações de saúde, estão a israelense OrCam, desenvolvedora de wearables para pessoas com deficiência, e a brasileira Salvus, especializada em tecnologias de home care. Na entrevista abaixo, Ricardo Cavallini, Expert da Singularity University Brazil e um dos pioneiros do movimento Maker no país, fala sobre o avanço desse cenário.
Em 2020, o volume investido em startups de saúde que trabalham com IoT bateu recorde – foram quase US$ 1, 5 bilhão aportado. Por que a internet das coisas é tão relevante na medicina e em áreas correlatas?
É relevante para todas as indústrias, não apenas a saúde. Porém, na saúde é mais fácil perceber sua utilidade bem como entender o retorno rápido. Uma plantação inteligente, uma cidade inteligente, uma casa inteligente, uma fábrica inteligente, um hospital inteligente, tudo isso pode trazer mais conforto, mais segurança e mais produtividade. E trará mudança de comportamentos e a criação de novos mercados. IoT estará em tudo. Basta lembrar que muito da realidade que vivemos hoje foi fortemente impactada e viabilizada por um único produto, o iPhone, que transformou a indústria de smartphones e fez surgir um monte de soluções e empresas que são parte integrante de nossas vidas. As redes sociais, o aplicativo de entrega de comida, o de carona, de namoro, de localização etc. Estas soluções ajudaram a moldar nosso comportamento e tiveram forte impacto no universo de negócios. É impossível prever o impacto indireto da IoT, mas é possível prever que será enorme.
O maior polo de inovação da categoria está nos Estados Unidos. Qual é o panorama no Brasil e as perspectivas a curto prazo?
O investimento está crescendo, as empresas estão adotando, mas estamos muito longe dos países como EUA e China, principalmente como política de Estado, seja em IoT, seja em outras tecnologias exponenciais como Inteligência Artificial e Impressão 3D. Esta distância não tem impacto apenas na saúde, mas em produtividade, diferencial competitivo, geração de PIB e claro, geração e perda de empregos.
Coisas interligadas a outras coisas podem salvar vidas e diminuir drasticamente custos de hospitais, por exemplo. Estamos investindo pouco na tecnologia?
É possível usar novas tecnologias para aumentar produtividade, baixar custos e abrir novos mercados, salvar vidas etc. Por este motivo, sempre estaremos investindo pouco na tecnologia. Para dar apenas um exemplo, já existem aparelhos para teste rápido e barato de sangue que detectam covid, gravidez, HIV, sífilis, glicemia e uma série de doenças. Com mais investimento, eles poderiam estar disponíveis em uma grande variedade de locais, como um em cada farmácia ou um em cada condomínio. Podemos ficar horas dando exemplos de prevenção, testes ou tratamento de doenças e acidentes. E não podemos esquecer que IoT também terá forte impacto em setores que podem ter influência direta e indireta na saúde, como agricultura, segurança e transporte. Carros autônomos, por exemplo, poderão salvar cerca de 1 milhão de pessoas por ano em todo o mundo. Isso apenas em acidentes causados por erro humano, sem contar vidas que serão salvas com ambulâncias e outros serviços autônomos conectados.
O que faz sentido ser ligado em rede?
Para responder isso, vale entender quais os benefícios de estar ligado em rede. A rede pode prover monitoramento, caso do Apple Watch que chama a emergência quando detecta queda brusca. Pode permitir controle à distância, liberando uma porta para acesso de emergência. Pode buscar informação; alertar sobre a previsão de temperatura e recomendar um cobertor extra para o idoso. Pode armazenar e compartilhar informação. Pode ter vários outros benefícios. Quando olhamos todas essas possibilidades, entendemos que absolutamente tudo a nossa volta pode ser melhorado ou se tornar mais inteligente, inclusive objetos não eletrônicos, como a cadeira, a porta ou a parede. Portanto, achando-se uma utilidade e tendo um bom custo benefício, tudo pode fazer sentido.
Existe alguma previsão de quantas pessoas com algum tipo de deficiência possam ser impactadas por wearables que usam IoT?
Hugh Herr, um dos maiores expoentes de próteses inteligentes tem um conceito bastante interessante. Segundo ele, “humanos não são deficientes. Uma pessoa nunca pode ser quebrada. A tecnologia está quebrada.” Muitos de nós usamos óculos e não nos consideramos deficientes, pois a tecnologia nos suporta para enxergar melhor. O mesmo deveria valer para quem não tem uma perna, é cadeirante ou tem qualquer outro tipo de necessidade especial. Todas as necessidades podem e devem ser impactadas pela tecnologia. Já existem desde soluções altamente complexas como as próteses inteligentes de Herr a soluções simples que podem mudar a vida de crianças, caso da solução da empresa Olivas, que permite que elas possam jogar (ou chamar a mãe) usando um aparelho.
A IoT está muito ligada ao universo maker, à cultura de financiamentos coletivos. Em relação a governos, existem pesquisas/projetos que chamem atenção no momento?
A cultura e a mentalidade maker podem e devem ser ligadas a qualquer segmento e qualquer empresa. Tem forte relação com colaboração, prototipagem, multidisciplinaridade, diversidade, experimentação e o uso de novas tecnologias para criar soluções. Nos EUA, muitos hospitais têm utilizado da cultura maker para criar novas soluções. De enfermeiras que podem criar soluções novas para o atendimento do paciente a médicos que usam técnicas avançadas para cirurgias. Na África, existem iniciativas para entregar sangue e medicamentos via drones em áreas remotas. A cultura maker cabe para o hospital mais moderno e mais bem equipado do primeiro mundo, cabe para regiões muito pobres e sem nenhuma infraestrutura e, obviamente, tudo o que está entre estes dois mundos.
Pra quem ainda não se ligou nesse assunto, pode dar exemplos corriqueiros de onde existe internet das coisas nas nossas vidas?
Em câmeras de segurança, semáforos, aparelhos de TV, relógios, campainhas, maçanetas, lâmpadas, tratores, carros etc. Muitos dos objetos comuns têm versões conectadas e são cada vez mais presentes ao nosso redor. As estimativas já apontam para um número bem maior de coisas conectadas em 2020 do que os bilhões de celulares. E nos próximos anos esse número deve se multiplicar várias vezes. O próximo passo é deixar esses objetos mais inteligentes. O mapa pelo celular passou a valer muito mais quando uma grande quantidade de pessoas estava utilizando-o e isso passou a alimentar o sistema com informações de trânsito e sugestão de rotas. Um objeto que há 5 anos era chamado de inteligente hoje é considerado burro. Tudo o que hoje está conectado nem arranhou o universo de possibilidades de funções e seus possíveis benefícios.