Zoom Fatigue: não estamos preparados para uma mudança de ambiente tão rápida como a que a tecnologia está trazendo
Tecnologia
10 min
27 agosto 2021

Zoom Fatigue: não estamos preparados para uma mudança de ambiente tão rápida como a que a tecnologia está trazendo

A brasileira Anna Carolina Muller Queiroz, do Departamento de Comunicação e Lemann Center at Stanford University, é uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo que levou à criação da Escala Zoom Fatigue and Exhaustion Scale (ZEF). Baseada em 5 itens – geral, visual, social, motivacional e emocional – a pesquisa conta com uma amostra 633 participantes brasileiros e gerou uma repercussão global sobre os efeitos dos excessos de tela. Os resultados apontam por exemplo, um acréscimo de 16, 7% a mais de fadiga. “Quanto mais jovem for a pessoa, mais ela sente”, diz Anna.

Como você começou a pesquisar o conceito de Zoom Fatigue?

Em Stanford, a gente trabalha com times espalhados por vários lugares, então estávamos acostumados a fazer videoconferências, porque tem pesquisa que roda na Europa, nos EUA… Mas, com a pandemia, tudo virou videoconferência e começamos a ter as reuniões que tínhamos no laboratório, por exemplo, por vídeo. O estudo, portanto, partiu dessa percepção de que nós mesmos começamos a sentir esse aumento do cansaço na gente; e outros colegas também comentavam que chegava o final do dia e eles estavam exaustos, Então pensamos: ‘será que tem alguma coisa aí acontecendo’?. Percebemos que não tinha nenhum estudo que pudesse medir essa fadiga nem nada muito sólido. Essa foi a motivação para começarmos a investigar quais elementos estavam por trás desse cansaço, se é que ele existia.

Quais foram os primeiros passos?

Ir pra literatura, para ver alguma pesquisa que já houvesse sido feita . Levantamos algumas hipóteses  e vimos que esse cansaço era decorrente principalmente das questões não verbais, do excesso de movimentos que fazemos pro outro nos entender. Se a gente tem muitas pessoas numa reunião, por exemplo, é como se falássemos para uma plateia e isso é bem mais cansativo do que uma conversa um a um dentro de uma sala. E assim criamos um questionário e aplicamos em várias pessoas, centenas de pessoas pra fazer todas as estatísticas e a validação psicométrica. Tivemos dez mil participações.

E os resultados confirmaram a hipótese inicial?

Percebemos que, sim, as pessoas estão se sentindo mais cansadas e que, quanto mais longa for a videoconferência, mais cansaço; quanto mais sessões, mais cansaço; e quanto mais próximas as reuniões forem umas das outras, mais cansaço. Coisas que a gente já sabia, mas não tinha dados.

Falta uma etiqueta estabelecida pra levar o zoom com mais leveza?

Costumo comparar com uma viagem de carro ou de avião. A gente tá sentado, o que, em teoria, cansa menos do que ficar andando, mas chegamos supercansados, você ficou ali na mesma posição oito horas. E, se você for ver, tem gente que fica sentado em videoconferências pelo menos cinco horas. Como ficou muito fácil agendar reunião e, como você mesma falou, sem essa etiqueta, teve todo mundo marcando reunião atrás de reunião.

O estudo trouxe alguma outra surpresa em termos populacionais?

As mulheres tiveram um número maior de fadiga, quando olhamos para o Brasil, os níveis são 20,6% maiores do que os dos homens.  E quando olhamos para os dados gerais vimos que elas têm um número maior de sessões e menos tempo entre elas. E ainda têm os filhos, o cuidado com a família, com as crianças. O que acontece? Elas tentam fazer tudo condensado, tudo junto, uma reunião atrás da outra. E aí a outra coisa que a gente investigou foram os elementos, os mecanismos por trás desse cansaço.

E quais são esses mecanismos da exaustão?

Essas que a gente acabou de falar, eu fico presa aqui na cadeira o dia inteiro, o ângulo de visão da câmera acaba favorecendo umas expressões faciais exageradas em reuniões com muita gente, porque você não vai tirar do mudo pra dizer eu concordo, então balança a cabeça. Você também vê só a cabeça e o ombro do outro, falta o movimento do corpo todo para a mensagem chegar, e o cérebro fica tentando entender o que está faltando. Outra coisa que vimos que teve um efeito muito grande é ficar olhando pra nós mesmas o tempo todo. Em estudos anteriores já mostram que quando as mulheres vêm vídeos delas mesmas, elas são mais críticas do que os homens, relatam mais sentimentos de ansiedade e depressão. Chamamos de ansiedade do efeito espelho. Isso media também essa relação de gênero com a fadiga.

A gente tá no Brasil, o país mais ansioso do mundo, e aí eu fico pensando como ficar mais ansioso ainda do que a gente já era e queria entender se tem alguma instituição de ensino ou grandes empresa pedindo algum tipo de auxílio pra vocês pra tentar mitigar esses efeitos.

Várias. A gente teve muita procura por outras universidades obviamente, inclusive universidades no Brasil. A gente teve muita procura por empresas que querem abordar o assunto junto com seus funcionários e tentar reduzir essa fadiga, que querem repensar essa etiqueta das videoconferências e tudo mais. E a gente teve, por exemplo o Citibank, um dos primeiros a instituir o dia sem reunião de videoconferência interna. É um dia livre dessas reuniões. E cada empresa fecha do seu jeito então elas têm muitas dúvidas ainda do que fazer  e quais seriam as melhores formas de implementar. Algumas foram para uma área mais de flexibilidade, em vez de sempre ter uma câmera ligada, a gente pode ter reuniões que não necessitam da câmera. E empresas que desenvolvem aplicativos de videoconferência também nos procuraram. A  Microsoft é uma delas, por exemplo, que testou. Ela liberou no ano passado a ‘together mode’, que é um modo onde eles usam algoritmos de inteligência artificial para colocar todo mundo como se estivesse dentro de um auditório. Então na hora em que eu estou falando, em vez de ver caixinhas, eu vejo as cabeças sentadas uma do lado da outra. As pessoas sentadas uma do lado da outra. E o Zoom implementou o ‘imersive view ‘, que é um similar a ele. Então isso tudo veio depois que a gente começou a fazer essas pesquisas e esse levantamento, essa tentativa mesmo do que poderíamos fazer.

Teve alguma coisa no estudo que saiu  muito fora da curva do que vocês imaginavam? Algo que foi surpreendente?

Foi tudo um pouco do que a gente já esperava mesmo, com base na literatura e do que a gente já sabia. Por exemplo, essa questão da ansiedade de se ver na câmera. A questão de não conseguir sair e se movimentar muito também influencia no cansaço. Eu acho que o que foi surpreendente pra a gente foi o cansaço maior das mulheres, e disso ser independente da idade. Eu acho que isso foi o que a gente não esperava. E óbvio, depois que a gente viu o resultado, começou a fazer muito sentido, mas a gente não tinha levantado essa hipótese antes.

A tendência é o ser humano cada vez mais ter que interagir com tecnologia. A mente humana tá preparada para isso? A gente tá na mesma velocidade exponencial do que a tecnologia?

Eu não tenho dados científicos pra te falar, mas o que eu vou te dizer é que pegando a base da evolução biológica, fisiológica, ela é muito diferente da evolução tecnológica. A velocidade delas é completamente diferente. Não estamos preparados para uma mudança de ambiente tão rápida como a que a tecnologia está trazendo. O nosso corpo não está preparado pra isso. É claro que em termos de comportamento a gente consegue se adaptar muito rápido. Todo mundo teve que começar a ficar dentro de casa, todo mundo se adaptou. Achou um jeito de trabalhar, a gente foi achando formas. Agora, talvez alguns novos ambientes trazidos pela tecnologia vão causar impactos na gente em termos de saúde que a gente ainda não sabe.

Renata Piza

starnford
zoom
zoomfatigue
form image

Receba mais conteúdo sobre o assunto do artigo!

Utilizamos seus dados conforme previsto em nossos avisos de privacidade. Você pode cancelar nossa comunicação a qualquer momento. Para saber mais, clique aqui.

Usamos cookies para personalizar, coletar dados e melhorar sua experiência no nosso site. Para mais informações, clique aqui.